Os últimos meses foram difíceis para Guilherme Giudice, mas não por causa do novo coronavírus (covid-19). Pouco antes de a pandemia chegar ao Brasil, o técnico do time feminino do Santos foi diagnosticado com um câncer no pescoço e no retroperitônio (espaço anatômico atrás da cavidade abdominal). Foram quatro ciclos de quimioterapia até a esperada notícia da recuperação.
“A primeira quimioterapia foi no dia da partida com o Cruzeiro [17 de fevereiro, pela terceira rodada do Brasileiro Feminino]. Saí da sessão e fui direto para o jogo, na Vila Belmiro. Uma coisa que ajudou muito, desde o começo, foi continuar trabalhando. Isso me ajudou a levar bem o tratamento, porque eu estava sempre ocupado”, conta o técnico à Agência Brasil.
Para dar conta, Guilherme precisou adaptar rotina e vestimentas no dia a dia. “Eu sabia dos riscos. Quando inicia o procedimento, a imunidade cai muito e você fica suscetível a qualquer tipo de doença. Qualquer resfriado passa a ser preocupante. Só mesmo nos dias de sessão é que eu não ia aos treinos. Nos demais, estava lá, tomando todos os cuidados, protegendo toda a pele, usando roupas compridas, evitando muito contato”, descreve.
A pandemia interrompeu o campeonato e os treinos presenciais em Santos (SP). Com isso, Guilherme transferiu o tratamento para São José dos Campos (SP), cidade em que mora e permanece desde o início da quarentena. O isolamento do técnico começou na própria residência. “Fizemos como se fosse um bunker. Fiquei com um espaço só para mim, onde eu dormia e mantinha minha rotina, principalmente para evitar contato com outras pessoas da casa”, recorda.
Os ciclos de quimioterapia foram concluídos no início de junho. Os exames indicaram que, dos tumores, havia sobrado apenas o do pescoço, já em tamanho reduzido, devido ao tratamento. Em 13 de junho, Guilherme fez uma cirurgia para extração do nódulo. “Foi feita a biópsia e, graças a Deus, ele era benigno. Então, com a retirada dele, não ficou mais nada”, comemora.
Carinho
A luta do treinador não foi solitária. Além da família, a parceria com o elenco santista foi importante. “O carinho que recebi delas e do clube foi demais. Imagino que para elas também não foi fácil, sempre me vendo sair para fazer exames, aí um dia aparecendo de cabelo raspado, antes de passar a informação [do diagnóstico]”, recorda.
O ápice foi na semana posterior à vitória por 2 a 0 sobre o Grêmio, fora de casa. Por conta do tratamento, Guilherme foi poupado da viagem para Novo Hamburgo (RS) e o time foi comandado pela auxiliar Sandra dos Santos. Em um dos treinos, as jogadoras se deitaram no gramado e formaram as letras G, U e I, em homenagem ao técnico. “Eu me emocionei muito, porque foi uma semana em que eu tive uma queda de imunidade grande, precisei ficar internado alguns dias”, lembra.
O anúncio da recuperação foi dado pelo perfil oficial das Sereias da Vila no Instagram. A partir daí, as redes do treinador foram tomadas por mensagens de santistas e até de adversários nos gramados. “Recebi recados do Arthur [Elias, técnico do Corinthians], do Lucas [Piccinato, do São Paulo], do Ricardo [Belli, do Palmeiras] e da Tatiele [Silveira, da Ferroviária]. De atletas que trabalharam na seleção feminina comigo [ele foi auxiliar de Emily Lima] e no Santos, e até de jogadoras com quem nunca trabalhei, mas enfrentei em algum momento. Foi bacana o reconhecimento”, relata.
Segundo ele, os exames médicos indicam que o sistema imunológico, afetado durante o tratamento, está restabelecido. “Agora, é tomar os cuidados que todos temos que ter [devido à pandemia]. Claro, mais atento ainda, por tudo o que passei. E aguardar a definição dos protocolos para reiniciarmos os treinos com toda a segurança”, conclui.
Retorno
O Santos será um dos primeiros times a jogar no retorno do Brasileiro Feminino. A previsão dada pelo presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo, em entrevista ao jornal O Globo, é que o campeonato da Série A1 (primeira divisão) recomeçará em 26 de agosto. O torneio foi interrompido com três partidas a serem realizadas pela quinta rodada. Uma delas é o duelo entre as Sereias da Vila e o Audax, inicialmente marcado para o litoral paulista.
O Alvinegro Praiano venceu os quatro jogos que realizou (contra Flamengo, Iranduba, Cruzeiro e Grêmio) e está em segundo lugar, com os mesmos 12 pontos da líder Ferroviária, superado no saldo de gols. Ainda não há previsão de quando o elenco retornará aos treinos. Enquanto isso, a preparação é realizada virtualmente.
“A gente imagina que será um campeonato novo. Assistimos a praticamente todos os jogos, mas acreditamos que as equipes voltarão diferentes. A ideia é brigar pelo título. Tivemos um bom início e a ideia é voltarmos no ritmo que paramos. Quero o título para dedicar ao clube e à torcida, que me deram tanto carinho e força nesse tempo”, diz o treinador, que está na quarta temporada no futebol feminino, após quase 10 anos atuando nas categorias de base do time masculino do São José, que atualmente disputa a quarta divisão do Campeonato Paulista.
Guilherme assumiu o time principal das Sereias da Vila em setembro do ano passado, na reta final do Estadual Feminino, após a eliminação para a Ferroviária nas quartas de final do Brasileiro. Ele era o auxiliar de Emily Lima, que estava no clube desde o início de 2018. Foram seis jogos de lá para cá, três pelo Paulista e três pelo Nacional, com quatro vitórias, um empate e uma derrota.
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