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No dia 1º de agosto, o estado do Rio de Janeiro registrou 1.718 novos casos de covid-19. Já no dia 2, o número de novas infecções caiu para 12. Quem olhasse esses dados isoladamente poderia comemorar que a transmissão da doença teve enorme queda. Dias depois, porém, viria um susto: o boletim divulgado pela Secretaria de Estado de Saúde no dia 5 trouxe 3,7 mil novos casos.
A oscilação nos registros de novos casos se repete semanalmente, explica o pesquisador Americo Cunha, professor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e integrante da equipe que alimenta o portal Covid-19: Observatório Fluminense. O dia 2 de agosto, com 12 novos casos, foi um domingo, assim como o dia 26 de julho, que teve 32 casos, e o dia 12 de julho, que teve apenas nove. Já o dia 5 de agosto, com 3,7 mil, foi uma quarta-feira, mesmo dia da semana que o dia 29 de julho, quando mais de 2 mil casos foram confirmados.
Como saber, então, a velocidade com que a doença está avançando? Para conseguir entender a tendência da pandemia além dessas oscilações entre dias de semana e fins de semana, os pesquisadores calculam a média móvel de casos. Em vez de contabilizar apenas os casos registrados nas últimas 24 horas, essa forma de análise soma os dados mais recentes com os dos seis dias anteriores, dividindo o resultado por sete.
O resultado desse cálculo é uma leitura que leva em conta a
influência de todos os dias da semana e pode ser atualizada diariamente,
evitando análises precipitadas como a de que a pandemia pode ter freado
num domingo e acelerado em uma terça-feira. Ao considerar sempre todos
os dias da semana, a média móvel de casos em sete dias pondera o
represamento de notificações que ocorre nos fins de semana.
"A irregularidade no processo de aquisição desses dados faz com que eles
sejam muito oscilatórios, que eles desçam todo fim de semana e subam
todo início de semana, independentemente se você está tendo queda ou não
no número total de casos", explica o pesquisador Americo Cunha. "A
média móvel vem para suavizar isso e remover essa tendência de oscilação
que atrapalha na análise. É uma ferramenta que consegue filtrar os
dados para dar uma melhor visão do comportamento de tendência".
A queda de registros nos fins de semana tem a ver com a redução de
pessoal disponível para preenchê-los, seja por redução de equipes ou por
fechamento de unidades de saúde ou setores responsáveis por informar os
dados às autoridades sanitárias. Esses profissionais retornam
na segunda-feira e atualizam as planilhas, não apenas com os casos
daquele dia, mas com os que aguardavam para serem preenchidos.
Cunha aconselha que os cidadãos interessados em acompanhar os dados
sobre a pandemia devem prestar atenção principalmente na média móvel do
número de novas mortes. "O número de mortes é sempre mais confiável,
porque a subnotificação das mortes é consideravelmente menor. A média
móvel do número de mortes é o indicador mais confiável", recomenda o
pesquisador, que explica que, mesmo com atraso, o número de mortes da
doença tende a ser conhecido.
"Exceto um indigente ou uma morte violenta, toda morte vai ser
registrada em algum momento pela família ou pelas autoridades. Em algum
momento, pode ser em dois dias ou em 90 dias, você vai saber todas as
mortes que ocorreram em um dia e, pelo menos, a causa nominal delas [a
que foi registrada]", explica ele, que compara: "Com relação ao número
de casos, por outro lado, tem muita gente que teve a doença, não sabe
que teve e nunca vai saber, porque você não vai fazer testes retroativos
em massa na população para saber todos os casos que aconteceram".
O pesquisador alerta, no entanto, que os dados em nível nacional não são
a melhor forma de entender se o momento é o de flexibilizar os cuidados
ou endurecê-los. "Não tem uma epidemia no Brasil, mas centenas de
epidemias em paralelo. Talvez milhares", destaca. "Aquela média nacional
não é representativa de todos os lugares, é só um compilado das
realidades locais. Você tem que se preocupar muito mais com a curva da
sua cidade e do seu estado do que com a curva do Brasil".
Epidemiologista do Instituto de Comunicação e Informação Científica e
Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, Diego Xavier faz parte da
equipe que elabora a plataforma Monitora Covid-19, que disponibiliza
dados e análises para a população. Ele destaca que a média móvel é um
indicador importante por ser de fácil entendimento e permitir a
divulgação diária dos dados, mantendo a população mobilizada em relação
às medidas de prevenção.
"Não basta ter um modelo estatístico sofisticado se você não consegue
comunicar os efeitos dele", afirma. "A população precisa saber de forma
dinâmica o que está acontecendo, senão a gente não consegue mobilizar
para tomar os cuidados devidos. É o dado que vai impulsionar esse
discurso. Se a gente não tem o dado, como vamos comunicar à população
sobre o tamanho do problema?"
Xavier lamenta, que mesmo diante das informações disponíveis, muitas
pessoas desacreditem da importância da prevenção. "No começo da pandemia
havia uma sensibilização maior da população. Se formos lembrar de
Brumadinho, hoje estamos tendo quatro, cinco Brumadinhos, às vezes, por
dia, e isso não está mais chocando as pessoas. As pessoas estão
cansadas", lembra ele, citando a tragédia que deixou mais de 250 mortos
no ano passado após o rompimento de uma barragem no município mineiro.
O pesquisador sugere que uma boa forma de avaliar a evolução da pandemia
é comparar a média móvel de novas mortes em sete dias com o mesmo dado
de 14 dias antes para considerar o tempo médio de incubação da doença.
Por exemplo: a média de novos óbitos calculada entre 06/08, 05/08,
04/08, 03/08, 02/08, 01/08 e 31/07 comparada com a média de casos obtida
com a soma dos dias 23/07, 22/07, 21/07, 20/07, 19/07, 18/07 e 17/07,
dividida por sete.
"Tudo o que a gente faz hoje demora até 14 dias para ter um resultado. Se fizer um lockdown hoje, daqui a 14 dias, em média, vai começar a haver uma redução de casos"
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