Crise Climática e a Virada Energética: Cana-de-Açúcar Pressionada em SP Abre Espaço para o Etanol de Milho
- Rádio AGROCITY

- há 5 dias
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Introdução
O setor sucroenergético brasileiro, pilar da matriz energética nacional, enfrenta uma de suas maiores adversidades da história recente, com o impacto do clima adverso forçando uma revisão nas projeções de safra e, consequentemente, na dinâmica de preços dos biocombustíveis. O fato central do dia aponta para uma redução drástica na produção de cana-de-açúcar, especialmente no estado de São Paulo, o epicentro do setor, onde a produtividade e a concentração de açúcares foram severamente comprometidas. Segundo dados recentes, o recuo na produção paulista para a safra 2025/26 deve ser de expressivos 5,2%, um reflexo direto da escassez hídrica prolongada e das geadas atípicas que castigaram os canaviais. Este cenário não apenas afeta a oferta de etanol de cana, mas também inaugura uma nova e acelerada corrida tecnológica e produtiva, pavimentando a ascensão meteórica do etanol de milho no mercado nacional.
A importância desta notícia vai além da simples queda de produção; ela detalha uma reconfiguração da geopolítica agroindustrial brasileira. O Brasil, líder mundial na produção de biocombustíveis e açúcar, vê o impacto climático minar a produção da matéria-prima tradicional (cana), ao mesmo tempo em que a segunda geração de etanol, originária do milho, demonstra uma resiliência e capacidade de expansão notáveis. Enquanto a produção nacional de cana recua em 1,6%, a produção de etanol de milho avança em mais de 22,6%, consolidando Mato Grosso como o segundo maior produtor do biocombustível. Este fenômeno impõe ao produtor rural, aos investidores e aos formuladores de políticas um desafio duplo: como mitigar o risco climático na cana e como integrar a nova fronteira do etanol de milho para garantir a segurança energética e a competitividade do país.
Mercado, Cotações e a Batalha dos Biocombustíveis
A retração na oferta de cana-de-açúcar em São Paulo e no Centro-Sul tem um impacto direto e imediato nas cotações e na logística do mercado de biocombustíveis. Com menos cana para moer e com uma menor concentração de açúcares (ATR), as usinas de São Paulo, que historicamente ditam o ritmo do mercado de etanol hidratado e anidro, se veem obrigadas a destinar a menor quantidade de matéria-prima colhida preferencialmente para o açúcar, que se mantém com preços globais remuneradores. Esta priorização gera uma pressão de alta no etanol, forçando o mercado a buscar alternativas para suprir a demanda.
É neste vácuo que o etanol de milho, antes um coadjuvante, assume um papel de protagonista. O aumento de 22,6% na produção de etanol a partir do cereal no Brasil não é apenas um número, mas sim um fator de estabilização e diversificação de risco. A produção de etanol de milho, concentrada majoritariamente no Centro-Oeste, oferece vantagens logísticas e de safra. Ao contrário da cana, cujo ciclo é anual e altamente vulnerável às intempéries climáticas em períodos críticos, o milho permite uma produção de etanol full time, utilizando o cereal em períodos de entressafra da cana, garantindo fluxo constante de produto.
No curto prazo, a pressão de alta no etanol de cana pode ser aliviada pelo volume crescente de etanol de milho. Essa competição saudável, ou melhor, essa complementariedade estratégica, é crucial para o consumidor final e para as distribuidoras.
Se, por um lado, o produtor de cana vê a rentabilidade em risco devido à queda na produtividade, por outro, o produtor de milho, especialmente no Mato Grosso, colhe os frutos de uma demanda industrial crescente e consolidada. A logística de transporte do etanol do Centro-Oeste para o Sudeste e o Sul se torna, agora, um foco de investimento e otimização, exigindo maior coordenação de frete e infraestrutura para integrar efetivamente esses dois polos produtivos de biocombustíveis. A manutenção da paridade do etanol com a gasolina nos postos de combustíveis dependerá, em grande parte, da capacidade de escoamento e do volume efetivo que o milho conseguirá entregar nos próximos meses.
O Desafio Climático e o Impacto Direto no Produtor Rural
O drama da cana é um espelho amplificado dos desafios climáticos que o produtor rural brasileiro enfrenta em todas as culturas, da soja ao café. No caso da cana paulista, o recuo de 5,4% na produtividade média, que caiu para 75,77 mil quilos por hectare, significa uma perda real de receita no campo. O produtor de cana teve que lidar com um custo de manejo mais elevado em um ano de estresse hídrico, incluindo possivelmente maiores gastos com irrigação ou com o uso de variedades mais tolerantes à seca, sem a garantia de um retorno proporcional na colheita.
A escassez hídrica não só reduziu o peso e o volume dos colmos, mas também comprometeu a qualidade, diminuindo a concentração de açúcar. Este é o impacto mais perverso: o volume colhido foi menor, mas o produto final também valeu menos em termos de ATR (Açúcares Totais Recuperáveis). Esse cenário de alto risco climático e baixa produtividade tem consequências diretas na capacidade de investimento e na gestão de dívidas do produtor rural.
Adicionalmente, o ambiente financeiro atual impõe barreiras significativas. Com a taxa Selic mantida em patamares elevados (chegando a 15% em algumas projeções de mercado no momento das negociações), o crédito rural, essencial para a renovação de canaviais e a compra de insumos, fica mais caro. Essa carestia do capital não só bloqueia a expansão dos financiamentos, como também dificulta a adoção de tecnologias de precisão e irrigação que poderiam mitigar os efeitos do clima. O produtor de cana se encontra, portanto, em uma encruzilhada: precisa investir mais em tecnologia e manejo de risco para garantir a produtividade futura, mas o custo desse capital está proibitivo, ampliando a exposição ao risco de default, um fantasma que, segundo dados recentes, já se manifesta no aumento da inadimplência no setor.
Perspectivas: A Consolidação do Milho e a Resiliência da Cana
As perspectivas para o agronegócio sucroenergético e de biocombustíveis são duais: de um lado, a consolidação estrutural do etanol de milho; de outro, a necessidade de resiliência e inovação para a cana-de-açúcar.
No curto e médio prazo, o etanol de milho surge como uma âncora de segurança energética. Sua expansão, com crescimento de mais de 22% e com o avanço do Mato Grosso no ranking de produção, indica que o cereal está se tornando o "colchão" que absorve os choques de oferta causados pelas intempéries na cana. O modelo de produção do milho é mais adaptável, aproveitando o cereal que não é destinado à exportação ou à ração, agregando valor e estabilidade à cadeia produtiva do Centro-Oeste.
Para a cana, o futuro depende de uma revolução tecnológica. O setor deve acelerar o investimento em pesquisa e desenvolvimento de variedades mais resistentes à seca e ao frio, além de sistemas de irrigação mais eficientes e de precisão. A renovação dos canaviais, um investimento pesado e contínuo, precisa ser facilitada por linhas de crédito verde e de longo prazo, que reconheçam a importância estratégica da cultura. A Faesp já aponta que a estabilidade na área colhida, apesar da queda de produtividade, demonstra o esforço do setor em manter o plantio. No entanto, a limitação na produção por hectare reforça que apenas a expansão territorial não é suficiente; é a produtividade que precisa ser resgatada.
Em suma, o mercado caminha para um sistema de biocombustíveis mais diversificado e resiliente, onde a cana e o milho não são concorrentes, mas sim parceiros complementares. O desafio regulatório e financeiro é criar o ambiente ideal para que essa sinergia se concretize, incentivando a inovação em São Paulo e facilitando a logística no Centro-Oeste. A superação da Selic alta e a garantia de um ambiente de crédito favorável à transição e à mitigação de riscos climáticos serão os fatores determinantes para o sucesso do setor nas próximas safras.
Conclusão
A notícia da queda na produção de cana-de-açúcar em São Paulo devido ao clima, ao mesmo tempo em que o etanol de milho atinge marcas recordes de produção, redefine o mapa de riscos e oportunidades do agronegócio brasileiro. O produtor rural precisa estar atento não apenas ao seu talhão, mas à complexa interação entre clima, cotações globais de açúcar e a crescente influência dos biocombustíveis de segunda geração. Em um cenário de volatilidade intensa, a informação e a análise especializada são seus ativos mais valiosos.
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