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A Disparidade que Alimenta o Crime: Por Que o Gasto com Egressos do Sistema Prisional é Quase 5.000 Vezes Menor que o Investimento Policial?

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    Rádio AGROCITY
  • há 3 dias
  • 6 min de leitura
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O Ciclo Vicioso da Segurança: Análise da Crítica Disparidade de 5.000 para 1 no Orçamento Antirreincidência


Introdução


O debate sobre segurança pública no Brasil frequentemente se concentra na "porta de entrada" do sistema: o policiamento ostensivo, o aumento do efetivo e a aquisição de armamentos e tecnologias de vigilância. No entanto, uma análise orçamentária recente expôs uma verdade inconveniente e estruturalmente perigosa: o investimento destinado à "porta de saída" — ou seja, às políticas de apoio e reintegração de pessoas egressas do sistema prisional — é praticamente inexistente. Dados levantados pela ONG Plataforma Justa, em 24 unidades da federação, revelaram que o gasto com polícias nos estados é, em média, quase 5 mil vezes maior do que o valor alocado para a reinserção social de ex-detentos.


Este desequilíbrio monumental é mais do que uma falha administrativa; ele é o motor do ciclo vicioso da criminalidade. Ao investir massivamente na repressão e, simultaneamente, destinar irrisórios 0,001% do orçamento total da segurança para evitar a reincidência, o Estado brasileiro sabota sua própria capacidade de garantir a segurança de longo prazo. O sistema prisional, ao invés de ser um local de correção e ressocialização, transforma-se em uma "escola do crime", garantindo que centenas de milhares de indivíduos liberados anualmente sejam devolvidos à sociedade sem amparo, sem oportunidades e, na maioria dos casos, sem alternativa viável além do retorno à criminalidade. Analisar essa disparidade orçamentária é fundamental para entender por que, apesar do aumento constante nos gastos com segurança, os índices de violência persistem em patamares críticos.



Os Dados e a Metodologia: A Síndrome da Porta Giratória


O estudo que serve de base para esta análise expôs de forma crua a miopia orçamentária dos governos estaduais. A pesquisa analisou detalhadamente o orçamento executado em 24 estados, traçando o montante total destinado à Segurança Pública e isolando a parcela ínfima comprometida com programas de assistência ao egresso, formação profissional, ou qualquer política voltada à minimização da reincidência. Em números absolutos, São Paulo, o estado que mais investiu em polícias no ano anterior (R$ 16,9 bilhões), destina uma porção ridiculamente pequena para a reabilitação, um reflexo de uma política que privilegia a resposta imediata e visível (a polícia na rua) em detrimento da prevenção estrutural e invisível (o apoio ao cidadão pós-cárcere).


A metodologia da pesquisa enfatiza a confiabilidade estatística ao utilizar dados orçamentários oficiais, mas o cerne da crítica reside na filosofia por trás dos números. Para especialistas, a segurança pública não pode ser resolvida apenas com viaturas e armamentos. A efetividade de um sistema se mede, em grande parte, pela sua capacidade de não apenas punir, mas de impedir que o crime se repita. Quando um ex-detento, marginalizado e sem apoio, reincide, o custo social e econômico (novo inquérito, novo julgamento, nova prisão, nova vítima) se multiplica, corroendo o orçamento destinado à repressão e perpetuando a sensação de insegurança. A confiabilidade dos dados é alta, mas a confiabilidade da política de segurança, que prioriza a punição sobre a prevenção da reincidência, é questionável.


A Política/Solução em Análise: O Desafio do "Pena Justa"


Em meio a este cenário de desinvestimento na reabilitação, surge o esforço de iniciativas como o Plano Nacional de Política Penais – Pena Justa, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). Este plano busca reverter a lógica falha do encarceramento em massa, estabelecendo metas concretas alinhadas ao Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) 2021-2030.


O Pena Justa concentra-se em três pilares principais:

  1. Redução da População Prisional: Por meio do aumento de alternativas penais e do foco em presos provisórios.

  2. Qualificação da Reintegração Social: Aumentar em 185% o quantitativo de presos em atividades laborais e educacionais até 2030, além de aumentar em 34% o número de pessoas atendidas pelos serviços especializados de atenção ao egresso.

  3. Melhoria da Infraestrutura: Reduzir o déficit de vagas prisionais.


A adesão dos estados e do Distrito Federal ao plano é um passo positivo na teoria, mas a análise orçamentária demonstra o abismo entre o planejamento federal e a execução estadual. A falta de destinação de verbas específicas (os 0,001% mencionados) é o maior entrave. Os gestores estaduais, pressionados por demandas imediatas e pela opinião pública que exige "dureza" no combate ao crime, resistem em realocar recursos da segurança ostensiva para programas sociais de reinserção, tratando o problema do egresso como uma questão de assistência social e não como o pilar mais eficiente da prevenção criminal de longo prazo. Para o Pena Justa funcionar, é necessário que o investimento na porta de saída passe a ser visto como um investimento em segurança.


Debate e Críticas: A Prioridade Política e a Vontade Ausente


O debate sobre a disparidade orçamentária revela visões multifacetadas e conflitantes.

Crítica Social e Acadêmica: A visão de organizações da sociedade civil, como a Plataforma Justa, é contundente: "Há um desequilíbrio, com tanto recurso destinado à porta de entrada do sistema penal, às polícias, e apenas 0,001% para a porta de saída... porque falta vontade política," afirma Felippe Angeli, diretor da ONG. Para esta frente, a segurança só será alcançada quando o Estado entender que o combate ao crime começa antes do delito e continua após a pena, tratando o egresso como um cidadão em processo de recuperação, e não como um inimigo. O foco desproporcional na Polícia Militar (PM) em detrimento da Polícia Civil e da perícia técnica, conforme apontado por outros estudos orçamentários, reforça essa lógica de priorizar a ação ostensiva e imediata em vez da investigativa e preventiva estrutural.


A Visão dos Gestores: Secretários de Segurança e governadores defendem, muitas vezes, que a prioridade orçamentária para as polícias é uma necessidade tática e emergencial. Argumentam que, enquanto houver crime organizado e altos índices de violência, a população exige resposta imediata, e essa resposta passa pelo fortalecimento das forças de segurança em campo. A crítica velada é que desviar recursos substanciais para o egresso é politicamente impopular, pois os resultados da repressão são imediatos (prisões), enquanto os resultados da reintegração (queda da recidiva) levam anos para aparecer, extrapolando o ciclo eleitoral. A segurança pública, assim, torna-se refém da política de curto prazo.


Dicas de Prevenção e Segurança Privada: Mitigando a Falha Sistêmica


Enquanto a política pública engatinha na realocação de recursos, a sociedade e o setor de segurança privada têm um papel crucial em mitigar os efeitos dessa falha sistêmica. A segurança não é um monopólio estatal e a prevenção da reincidência deve ser vista como uma responsabilidade compartilhada.


Para o Cidadão: O primeiro passo na prevenção é a desestigmatização. Iniciativas comunitárias de apoio à empregabilidade de egressos, projetos sociais em bairros de alta vulnerabilidade e a fiscalização ativa sobre a destinação do orçamento de segurança são essenciais. O investimento social em ONGs que atuam com a população carcerária e egressa é, na prática, um investimento em segurança comunitária.


O Papel da Segurança Privada: O setor de segurança patrimonial e privada, que movimenta bilhões anualmente, pode atuar de forma estratégica:


  1. Responsabilidade Social e Empregabilidade: Empresas de grande porte no setor de segurança (vigilância, monitoramento e serviços) podem desenvolver programas de contratação de ex-detentos. A oferta de emprego formal e capacitação técnica não apenas cumpre uma função social, mas também serve como uma barreira eficiente contra a reincidência.

  2. Tecnologia de Prevenção Integrada: As tecnologias de monitoramento urbano e a inteligência privada podem ir além da proteção patrimonial. O compartilhamento de dados anonimizados de vulnerabilidade e o foco em áreas de alta incidência de pequenos crimes (que muitas vezes servem de porta de entrada para egressos sem oportunidades) podem orientar políticas públicas e sociais, preenchendo as lacunas deixadas pelo Estado.


A segurança eficaz do futuro reside na fusão entre a repressão policial bem equipada e a prevenção social sustentada.


Conclusão


A segurança pública brasileira enfrenta um paradoxo de custos: gastamos 5.000 vezes mais para prender e reprimir do que para garantir que o indivíduo não precise voltar ao crime. Esta análise dos dados orçamentários revela que o sistema não é apenas caro; ele é ineficiente, pois realimenta o problema que busca combater. Enquanto os gestores não tratarem o apoio ao egresso, a educação nas prisões e a capacitação laboral como ferramentas de segurança prioritárias, o ciclo da reincidência continuará a drenar o tesouro público e a ceifar a paz social. É urgente que a sociedade civil e o empresariado cobrem essa inversão de lógica: a segurança real é construída na porta de saída, não apenas na porta de entrada. Para continuar acompanhando as análises mais aprofundadas sobre o sistema prisional, tecnologias de segurança e os debates com sociólogos e especialistas sobre o futuro da segurança no país, sintonize a Rádio AGROCITY.

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