Regulamentação da Reforma Tributária: Congresso Avança e Define a Nova Arquitetura de Governança Fiscal do País
- Rádio AGROCITY

- há 5 dias
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Introdução (Lide Institucional)
O cenário político-institucional brasileiro testemunha, neste momento, um dos movimentos mais decisivos para a concretização da Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023, a chamada Reforma Tributária sobre o consumo. O Congresso Nacional, em ritmo de debate e articulação, dá prosseguimento à votação dos Projetos de Lei Complementar (PLPs) que detalham a aplicação do novo sistema. A principal notícia do dia é a intensa tramitação do PLP 108/2024, que se debruça sobre a criação e a regulamentação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Esta não é apenas uma formalidade legislativa; é o ato de nascimento da nova arquitetura de governança fiscal do país, definindo quem irá administrar e fiscalizar o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual brasileiro, substituindo uma miríade de tributos como ICMS e ISS.
Este avanço sinaliza a entrada definitiva na fase de implementação da Reforma. Se a EC 132/2023 desenhou o novo mapa tributário, o PLP 108/2024 está construindo a central de controle. O cerne da disputa política, agora, reside na governança e na distribuição de poder entre a União, os Estados e os Municípios. A criação de um Comitê Gestor para administrar o IBS, que será de competência compartilhada entre Estados e Municípios, representa a maior concentração de poder decisório sobre o imposto de circulação de bens e serviços desde a Constituição de 1988, gerando entusiasmo entre defensores da simplificação e profunda cautela entre as bancadas federativas, sobretudo aquelas que representam regiões de grande poder econômico, como Minas Gerais e os estados do Agronegócio. O desafio é equilibrar a busca por eficiência e a manutenção da autonomia fiscal dos entes federativos.
O Detalhe da Proposta: O Poder Central do Comitê Gestor do IBS
O Projeto de Lei Complementar (PLP 108/2024) tem a missão de instituir o Comitê Gestor do IBS (CG-IBS) e estabelecer as regras para o gerenciamento e a administração deste tributo de competência subnacional (Estados e Municípios). O CG-IBS será uma entidade sui generis, dotada de personalidade jurídica própria, e funcionará como um órgão colegiado responsável por centralizar a arrecadação, a fiscalização e a uniformização da interpretação do IBS em todo o território nacional.
Segundo a proposta em análise, o Comitê terá uma composição paritária, refletindo a lógica federativa: 27 membros representantes dos Estados e do Distrito Federal, e 27 representantes dos Municípios, com pesos definidos em lei. Sua atuação se concentrará em tarefas cruciais que, no sistema atual, são fragmentadas por 27 legislações estaduais (ICMS) e mais de 5.500 municipais (ISS). Entre as principais responsabilidades do CG-IBS estão:
Uniformização: Editar as normas e interpretações necessárias para a aplicação do IBS, garantindo que o imposto seja idêntico em todo o país.
Arrecadação Centralizada: Realizar a cobrança do IBS em uma única plataforma (o que facilita a vida do contribuinte).
Distribuição: Repassar a arrecadação para os Estados e Municípios de destino, seguindo a lógica do destino (e não mais da origem), como prevê a EC 132.
Contencioso Administrativo: Gerenciar a etapa administrativa da disputa entre fisco e contribuinte, criando um tribunal administrativo único para o imposto.
Essa concentração de funções é o motor da simplificação da Reforma, pois padroniza a legislação e elimina o complexo cenário de bitributação e guerra fiscal que marcou as últimas décadas. Contudo, ela também suscita o debate sobre a transferência de poder decisório das Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais para um órgão técnico-político de caráter nacional.
Impacto no Setor Produtivo: Segurança Jurídica e o Peso do Agro
Para o Agronegócio, setor vital para a economia de Minas Gerais e do Brasil, a regulamentação do CG-IBS e a própria Reforma Tributária trazem uma dualidade de expectativas: maior segurança jurídica versus desafios operacionais na transição.
A promessa do IBS é a neutralidade tributária, uma bandeira histórica do setor produtivo. No novo sistema, o imposto incidirá sobre o consumo final, e o produtor rural poderá se creditar de todo o imposto pago nas etapas anteriores (insumos, máquinas, serviços). Isso elimina o chamado "resíduo tributário" ou "imposto em cascata" que encarece o produto brasileiro, beneficiando as exportações e a competitividade interna. O PLP 108/2024, ao uniformizar a aplicação do imposto, é o mecanismo que garantirá a efetividade dessa não-cumulatividade.
Especificamente para o Agronegócio, a EC 132/2023 prevê o regime específico de alíquotas zero para a cesta básica nacional e possivelmente para determinados insumos agropecuários. O papel do Comitê Gestor será fundamental para garantir que essas alíquotas zero sejam aplicadas de maneira uniforme e que os produtores consigam usufruir de seus créditos acumulados de forma rápida e eficiente, minimizando o impacto no fluxo de caixa.
Entretanto, a preocupação reside na centralização. O CG-IBS terá o poder de uniformizar as regras e arbitrar conflitos. Para o Agro, que muitas vezes se beneficiava de incentivos fiscais estaduais (a chamada "guerra fiscal" que agora será extinta), a dependência de um órgão centralizado requer cautela. Há o temor de que as particularidades regionais, como as específicas de Minas Gerais em relação à produção de café, leite e grãos, possam ser negligenciadas em prol de uma padronização nacional. O setor acompanha de perto as discussões sobre a composição do Comitê e os mecanismos de recurso, buscando garantir que a representação e a voz dos estados predominantemente agrícolas tenham peso nas decisões administrativas e interpretativas do novo sistema.
O Debate Político e as Divergências Federativas
A discussão sobre o Comitê Gestor é intrinsecamente política, pois toca na essência do pacto federativo: a distribuição de poder e recursos.
A Favor (Simplificação e Eficiência): O Governo Federal e os defensores da Reforma argumentam que o CG-IBS é o preço a pagar pela simplificação. Sem um órgão centralizador, seria impossível ter um IVA verdadeiramente nacional e unificado. A centralização é vista como o único caminho para acabar com a guerra fiscal (na qual Estados concedem incentivos ilegais para atrair empresas) e a burocracia que custa bilhões às empresas anualmente. A promessa é de um ambiente de negócios mais previsível e atrativo para investimentos, o que, a longo prazo, beneficiaria toda a cadeia produtiva, incluindo o Agro.
Contra e As Divergências (Autonomia e Centralização): O principal ponto de fricção reside na perda de autonomia dos Estados e Municípios. Parlamentares e governadores que representam os entes federativos temem que o CG-IBS se torne um "superórgão" fiscal, concentrando um poder político-econômico excessivo.
Voz dos Estados: Muitos governadores se preocupam com a representatividade. Embora o projeto preveja paridade, há o risco de que as bancadas de estados menores possam se unir para impor regras que não atendam aos interesses dos grandes centros de consumo ou produção, como São Paulo, Rio de Janeiro e o próprio polo de Minas Gerais. A discussão sobre o peso do voto e os critérios de escolha dos membros do Comitê (que serão indicados pelos chefes dos Executivos estaduais e municipais) é o foco de emendas e negociações de última hora.
Contencioso: Outra divergência é sobre o Contencioso Administrativo. A proposta de criar um tribunal administrativo único para o IBS levanta o debate sobre a celeridade e a imparcialidade dos julgamentos, retirando do âmbito estadual o poder de decidir disputas fiscais importantes, uma tradição desde a fundação dos TAPs (Tribunais Administrativos de Impostos e Taxas).
O debate reflete uma tensão clássica na política brasileira: a centralização necessária para a eficiência econômica versus a descentralização vital para a democracia e a representação federativa.
Cenários Futuros e Próximos Passos
Com o PLP 108/2024 em fase de tramitação avançada, o Congresso se prepara para o que deve ser o cronograma mais intenso do ano legislativo. Após a aprovação em uma das Casas (Câmara ou Senado), o texto seguirá para a outra Casa para revisão e votação, onde as emendas e divergências deverão ser resolvidas em um rito que se espera célere, mas altamente técnico e politizado.
Superada a fase legislativa, a palavra final caberá ao Poder Executivo Federal, na figura do Presidente da República, que poderá sancionar ou vetar o projeto. A expectativa é de sanção integral, dada a articulação da equipe econômica, mas vetos pontuais podem ocorrer se houver pressão forte de grupos setoriais ou regionais que se sintam prejudicados pelos detalhes da governança do CG-IBS.
É fundamental lembrar que a regulamentação da Reforma Tributária não se encerra neste projeto. Outros PLPs, como o que trata da legislação geral do IBS (alíquotas, regimes específicos, como o do Agro) e o que define a reforma sobre a renda (como o PL 1087/2025, que busca instituir a tributação mínima para altas rendas e é discutido em paralelo, como mostrou a recente aprovação de mudanças no Imposto de Renda), são partes de um mesmo quebra-cabeça. A transição para o novo sistema só começa em 2026 e se estende até 2033, mas a definição da governança do Comitê Gestor é o primeiro e mais importante passo para que o Brasil comece, de fato, a operar sob uma nova lógica fiscal.
Conclusão (Chamada de Ação - CTA)
A consolidação do Comitê Gestor do IBS marca a virada institucional na economia brasileira. De um sistema caótico e complexo, avança-se para um modelo centralizado que promete eficiência, mas que exige vigilância constante. É no debate sobre a composição e os poderes desse Comitê que se define o futuro da autonomia fiscal e do equilíbrio federativo do país. Os impactos no Agronegócio, na economia de Minas Gerais e na vida de cada cidadão serão profundos. A política, em sua essência, está se manifestando na forma de leis complexas e de governança técnica.
Acompanhar a tramitação desses PLPs não é apenas tarefa para especialistas e congressistas, mas um dever cívico. O futuro do seu negócio, do seu imposto e do seu estado está sendo desenhado nas discussões sobre alíquotas, créditos e comitês. Para entender em tempo real as implicações dessas mudanças no cenário político, econômico e institucional, sintonize a Rádio AGROCITY. Continuaremos a trazer a análise aprofundada da editoria de Política, com entrevistas exclusivas com parlamentares, economistas e analistas, desvendando as consequências práticas da maior reforma em curso no Brasil.







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